Um tranco no barão da direita
Por Alberto Dines
Um episódio sem precedentes na história do moderno jornalismo: o fechamento do tablóide marrom News of the World (doravante designado como NOTW) e a prisão de duas figuras-chave, depois soltos sob fiança – sem qualquer passeata ou abaixo-assinado de protesto –, marcam uma espetacular virada nas relações mídia-midiados no mundo ocidental.
Um episódio sem precedentes na história do moderno jornalismo: o fechamento do tablóide marrom News of the World (doravante designado como NOTW) e a prisão de duas figuras-chave, depois soltos sob fiança – sem qualquer passeata ou abaixo-assinado de protesto –, marcam uma espetacular virada nas relações mídia-midiados no mundo ocidental.
O leitor-cidadão,
afinal, percebeu o entupimento da rede de esgotos; a sujeira acumulada começou
a escapar pelo ralo e macula o processo democrático, o sagrado direito de
informar e, de roldão, a última profissão romântica.
Para avaliar as
dimensões do acontecido convém anotar o seguinte:
• A imprensa não está no banco dos réus. Quem denunciou o
escândalo não foi um governo autocrático nem uma polícia bolivariana: foi um
jornalão de qualidade,o progressista The
Guardian, secundado as ottovoce, meia voz, pelo conservador The Economist.
• Escândalo flagrado e denunciado, ninguém está clamando por mais
controles sobre a imprensa. Em uníssono (até agora), todos exigem que a
autorregulação saia da esfera do engodo e da fantasia para tornar-se real,
efetiva, sobretudo rápida.
• É um equívoco considerar Rupert Murdoch como símile contemporâneo
dos magnatas da imprensa do passado: sua linhagem não é a mesma de W. R.
Hearst. Está mais para Joseph Goebbels. Murdoch é um caudilho da direita
internacional empenhado em destroçar tudo o que o liberalismo político e o welfare state construíram ao longo do último século.
O ex-premiê José Maria Aznar não faz parte de um dos Conselhos da News Corp.
por seus méritos jornalísticos. Ele está lá por que é um expoente do
reacionarismo espanhol até hoje empenhado em santificar Francisco Franco.
Bola de neve
• O fechamento do NOTW e seus inevitáveis desdobramentos não
podem ser circunscritos às singularidades britânicas, nem sua associação com
policiais eram exclusividade dos legionários de Murdoch. O editorial que
introduz o especial do Economist sobre imprensa nesta semana deixa
claro que outros tablóides usavam os mesmo métodos, talvez menos
ostensivamente. Importa saber que Murdoch tem mais força política nos EUA. É o
patrono da metade de um gigantesco país entregue a uma histeria conservadora
que alimenta continuamente através do vale-tudo noticioso da Fox News (chamado
defoxificação pelo Economist) que vence em
audiência e faturamento as rivais CNN e MSNBC juntas.
• Na entrevista que
concedeu à Folha de S.Paulo na segunda-feira (11/7), o antípoda de
Murdoch, o fundador do El
País Juan Luís Cebrian,
lembrou que “jornais nasceram no começo do século 19... formam parte das
instituições do mundo democrático... jornal é uma concepção de mundo. Da
primeira à última página...” (ver “Google
e Facebook são os concorrentes dos jornais”). Murdoch detesta os
jornais-instituições, sua visão de mundo é diametralmente oposta. O
jornal-instituição tende naturalmente para um processo decisório colegiado,
minimamente consensual. É o que o déspota Murdoch mais detesta.
• Apostou na internet porque representava o fim da imprensa
esclarecedora, iluminista. Preocupou-se mais em enfrentar a pirataria do Google
(que se servia do conteúdo alheio para ficar com o total das receitas) do que
em explorar vantagens digitais como ferramenta ou plataforma.
Há 20 anos que Rupert Murdoch ganha todas as paradas. Em algum
momento o processo deveria ser barrado. Ou drasticamente revertido. Tudo indica
que o momento chegou. A bola de neve pegou um dos mais perversos criadores de
bolas de neve.