Por Olavo Pereira da Silva f.°
Por trás das motivações que se
levantam para a divisão territorial do Piauí, emerge essa antiga máxima
beligerante do exército chinês, notadamente praticada no império romano.
É no poder de dominação que se vê o intuito de desmobilizar os
indivíduos, para depois liderá-los em meio à segregação. Por meio dessa
maquiavélica fragmentação da identidade social, a África foi partilhada no
século XIX entre um seleto grupo de potências ocidentais.
A indigência crônica do Piauí pode ter outra dimensão política. Mas,
exemplos de desmembramentos só servem de escudos aos grupos dominantes. Por
quanto desse tipo de apelo anti-social, o separatismo fomenta a criação de
facções ativistas aliadas a protetorados políticos. Isso remete à ilusão do
inimigo, criado na consciência dominadora. Por tanto, não se pode
intempestivamente anunciar a separação como uma prova de amor para com o
Estado, porque isso não depende da divisão territorial. Pelo contrário, a
estima por um lugar está na consciência de nacionalidade e na apreensão da
aldeia global.
Demarcações geográficas podem
favorecer a administração política. Contudo, nessa divisão fisiológica muitas
indagações merecem respostas dessas lideranças. Em que a gente do Gurguéia se
distingue da gente do Piauí ou de suas adjacências? Suas escolas, hospitais,
estradas, aeroportos seriam melhores? O povo teria acesso ao conhecimento ou
suas universidades se contentariam com a famigerada distribuição de cotas e
proliferação de diplomas? Suas paisagens urbanas seriam limpas dos nefastos
engenhos publicitários que mascaram Teresina? Seus presídios teriam celas
vazias? Suas vias seriam de paralelepípedos e não do antiecológico asfalto que
permeia nossas ruas? E os acervos arquitetônicos e urbanísticos seriam
preservados? O que seria objeto de valorização cultural? Redenção do Gurguéia
remiria para Gurguéia? Como a cara metade deixaria de ser tão miserável quanto
o resto do Estado? Se esses minguados anseios fossem afiançados pelo POVO,
seria o primeiro a desejar essa separação. Para esses questionamentos, as
respostas estão além da simples delimitação territorial. Prescinde a
valorização do gênero humano. Exemplos de interdependências, não faltam e aqui
mesmo temos um emblemático: Timon - mais que território maranhense é um bairro
de Teresina.
Seus articuladores sabem que os problemas da região do Gurguéia não são
problemas isolados do Estado, e que não podem ser resolvidos isoladamente. Se
as jazidas minerais, pastagens, água, sol, vento, paisagens desse território
não são devidamente explorados, certamente, não se pode dizer da falta de
ganância generalizada pelo crescimento econômico. Mas, por certo, da nossa
própria cultura política.

No Brasil, o crescimento econômico nunca foi sinônimo de felicidade.
Sabemos a riqueza econômica dos antigos currais do Piauí se esvaiu para os
latifundiários do litoral leste. Quem se beneficiou com a exploração de Serra
Pelada? E a Itabira de Drumond? E o pré-sal? Seriam os bens auferidos de
possíveis explorações das riquezas naturais do Gurguéia fraternalmente
divididos com o resto do Estado? Então, quem se beneficiaria com isso?
Nesse contexto, o plebiscito não deixa de ser uma saída democrática.
Reflete a nossa realidade social, o espírito das pessoas, ou a sua falta de
espírito. Com isso, se pode mudar o mapa administrativo, mas não o mapa da
miséria, da indigência, da indiferença que sombreia esse acontecimento. Seria
realmente indispensável? Ou um bom debate nas escolas, instituições e nos meios
de comunicação seria mais proveitoso? Quanto vai custar essa consulta? Não
seria mais louvável canalizar tais recursos para as casas de caridade?
Separar diz muito: pôr à parte; desunir; desligar;
desmembrar; apartar; segmentar; fragmentar; isolar; desagregar; segregar. Por
isso vale lembrar: Povo trabalha unido permanece unido.
Estamos na mesma balsa,
em breve domada pelas represas do Parnaíba.
O texto acima foi postado originalmente em "O Berrante
nº 4" (de 07-09-2011), newsletter que o autor faz circular na
internet
O arquiteto campomaiorense Olavo Pereira da Silva Filho, autor do livro
“Carnaúba, Pedra e Barro na Capitania de São José do Piauhy” – obra que foi
publicada, em três volumes, graças ao Prêmio Rodrigo Melo Franco que lhe foi
concedido, pelo IPHAN, em 2008 – é um verdadeiro baluarte da luta pela
preservação do Patrimônio Cultural e Arquitetônico nos Sertões de Dentro do
Piauí. Sua militância, no entanto, é mais abrangente, como se vê .