Filha de Faustino Magalhães da Silveira, professor e jornalista,
diretor do Jornal de Alagoas, e de Maria Lydia da Silveira, pianista, Nise teve
seu nome escolhido em homenagem à musa do poeta
inconfidente Cláudio Manuel da Costa.
Nascida com temperamento forte, filha
única, foi o centro das atenções. Cresceu em meio a uma família com acentuada
militância política, num ambiente acolhedor, numa casa sempre aberta aos amigos
e convidados, fartamente servidos, onde recebiam os artistas que se
apresentavam para a plateia alagoana e os intelectuais que passavam pela
cidade. Nise foi cercada de arte e cultura desce cedo. Ainda criança já
escrevia em francês, adolescente lia obras de Spinoza.
Termina o curso secundário em um colégio
de freiras, exclusivo para meninas, o Colégio Santíssimo Sacramento, localizado
em Maceió. Seu pai, na ocasião, preparava alguns sobrinhos para o vestibular de
Medicina em Salvador. Nise se entusiasmou com a idéia e, aos 16 anos, entrou
para a Faculdade de Medicina da Bahia, única mulher numa turma de 157 rapazes.
Defendeu brilhantemente a tese Ensaios sobre a criminalidade da mulher no
Brasil.

Voltou à sua terra, mas com a morte do
pai, um mês após a sua formatura, veio para o Rio de Janeiro. Em 1933, passou
num concurso federal para o cargo de médica psiquiatra na Assistência a
Psicopatas e Profilaxia Mental.
Já casada com seu primo e colega de turma,
o sanitarista Mario Magalhães da Silveira, engajou-se nos meios artísticos e
literários e frequentava ativamente os círculos marxistas.
Por suas atividades políticas, Nise da
Silviera foi presa durante 15 meses no presídio da Frei Caneca, denunciada por
uma enfermeira que mostrou à polícia política de Getúlio Vargas, liderada pelo
feroz Filinto Müller, os livros “proibidos" que ela guardava na sua
estante.
Partilhou cela com Olga Benário, judia que
foi entregue à Gestapo de Hitler pelo governo brasileiro. Nise foi também
contemporânea de Graciliano Ramos na prisão, tendo sido personagem do livro e
posteriormente filme, Memórias do Cárcere, e da novela Kananga do Japão.
Livre da prisão, viveu clandestinamente
até 1944, quando foi anistiada e reintegrada ao serviço público, lotada no
Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro,
subúrbio do Rio de Janeiro.
Contrária a práticas como eletrochoques,
lobotomias e terapia química e medicamentosa, seguiu o caminho da Terapêutica
Ocupacional e se propôs a fortalecer esse método transformando-o em um campo de
pesquisa. Os valores, como o respeito aos pacientes, o afeto, a liberdade, a
criatividade, contrariavam a concepção de um hospital psiquiátrico na época.
Dirigiu por 28 anos o Setor de Terapêutica
Ocupacional e Reabilitação (STOR) no Centro Psiquiátrico, onde foram
desenvolvidas diversas pesquisas e dezessete núcleos de atividades, entre os
quais encadernação, marcenaria, trabalhos manuais, costura, música, dança,
teatro, onde ofereciam atividades que estimulassem o fortalecimento do ego dos
pacientes, a progressiva ampliação do relacionamento com o meio social, e que
servissem como meio de expressão. Nos atendimentos que realizava, Nise
procurava criar um clima de liberdade, sem coação, no qual, por meio de
diversas atividades, os sintomas pudessem encontrar oportunidade para sua
expressão e, como ela dizia, serem despotencializados.
Entre os vários núcleos de atividade,
havia o ateliê de pintura, proposto por Almir Mavignier, enfermeiro e artista
plástico. O ateliê era monitorado por ele e era frequentado por seus amigos,
jovens artistas da época, como Ivan Serpa, Abraham Palatinik e Mario Pedrosa,
tornando-se um lugar de referência artística.
Nise evitava o julgamento estético das
pinturas produzidas no ateliê, mas muitas dessas obras foram avaliadas por
artistas e consideradas “obras de arte”, vindo a fazer parte de exposições em
museus de arte internacionais.
Nise foi surpreendida pela quantidade,
qualidade e criatividade dos trabalhos produzidos, num contraste com a
atividade reduzida de seus autores fora dos espaços do ateliê. Mais surpreendida
ainda ficou com as imagens circulares com configurações perfeitas que apareciam
em algumas pinturas. Para entender melhor este fato, ela reuniu estas imagens e
as enviou para Carl Gustav Jung. Jung lhe respondeu dizendo que estas imagens
eram mandalas e que exprimiam não somente a cisão mas também eram forças
autocurativas que procuram reunir as rupturas em formas de contorno harmonioso.
A partir deste momento, Nise começou a utilizar a psicologia Junguiana como sua
ferramenta de trabalho para o tratamento da esquizofrenia.

Alguns pacientes da Dra.
Nise tiveram reconhecimento artístico pelo valor e consistência de suas obras,
como Fernando Diniz, Emygdio de Barros, Arthur Amora Raphael, Adelina Gomes.
Diversas exposições foram realizadas com as obras destes artistas, inclusive na
Bienal de Veneza de 1981.
O ateliê deu origem ao Museu de Imagens do Inconsciente, fundado
em 1952, considerado referência no estudo de imagens produzidas por esquizofrênicos.
O método de trabalho no Museu consiste principalmente no estudo de séries de
imagens que, isoladas, parecem sempre indecifráveis.
Em 1956, cria a Casa das Palmeiras, em Botafogo, Rio de Janeiro,
uma clínica destinada ao tratamento de egressos de instituições
psiquiátricas, onde atividades expressivas são realizadas livremente, em regime
de externato.
Em 1957 foi para Zurique estudar no
Instituto C.G. Jung, ficando lá por quase um ano.
Nas décadas de 50 e 60, a psiquiatra foi pioneira na pesquisa
das relações emocionais entre pacientes e animais, que costumava chamar de
coterapeutas. Percebeu esta possibilidade de tratamento ao observar como um
paciente a quem delegara os cuidados de uma cadela abandonada no hospital
melhorou tendo a responsabilidade de tratar deste animal. Segundo ela, eles
“reúnem qualidades que os fazem muito aptos a tornar-se ponto de referência
estável no mundo externo”, facilitando a retomada de contato com a realidade.
Ela expõe parte deste processo em seu livro Gatos: a emoção
de lidar, publicado em 1998.

Em 1968, Nise publicou o livro Jung, vida
e obra introduzindo a obra do psiquiatra suíço no Brasil. Ao compreender a
importância das imagens mitológicas, do folclore, da religião, ela debruçou-se
sobre a cultura nacional e publicou também alguns estudos sobre motivos do
nosso folclore
Na década de 1970 Nise teve problemas na
visão, situação que lhe causou grande sofrimento, pois isso poderia impedi-la
de ler, uma das coisas que ela mais gostava de fazer. Ela precisou realizar uma
delicada cirurgia, livrando-se assim do risco da cegueira.
Em 1975, em comemoração ao centenário de
Carl Gustav Jung, a Dra. Nise organizou uma grande exposição no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, que viajou por todo o Brasil
Aposentou-se compulsoriamente, aos setenta
anos, e organizou e publicou seus livros mais conhecidos: Imagens do
inconsciente (1981), que depois se tornaria o filme de mesmo nome de Leon
Hirszman, e O mundo das imagens (1992).
Em 1986, morre seu marido. No mesmo ano
quebra a perna e passa a andar em cadeira de rodas. Esses acontecimentos não
diminuíram sua dedicação ao trabalho, mantendo-se produtiva e lúcida.
Nise rompeu com as tradições e alguns
valores da época, ao morar com seu companheiro Mário Magalhães da Silveira, não
sendo casados formalmente, como era obrigatório para muitas famílias naquela
época.
Combativa e muito além de seu tempo,
conferiu um admirável legado de ação e coerência. Tinha personalidade
controversa - dócil e feroz. Por isso, o amigo Hélio Pellegrino a denominou
Anjo Duro. A lembrança do nome de Nise da Silveira frequentemente vem associada
ao pioneirismo na humanização do asilo e nas idéias da reforma psiquiátrica.
Nise da Silveira morreu aos 94 anos,
vítima de insuficiência respiratória aguda, depois de ter sido hospitalizada
por cerca de um mês com pneumonia.
Em homenagem ao Centenário de Nise da
Silveira os Correios lançaram um selo. O selo apresenta, em primeiro plano, o
perfil de Nise da Silveira, à direita, e o perfil de um gato, à esquerda,
animal admirado pela psiquiatra por sua liberdade, independência e altivez. Em
segundo plano, são apresentadas a figura de Nise admirando pinturas criadas por
pacientes; uma mandala, símbolo de integração psíquica presente em vários
desenhos de seus “clientes”; e um grupo de doentes em convivência. Ao centro, o
Manto da Apresentação, criado por Arthur Bispo do Rosário, interno
esquizofrênico da Colônia Juliano Moreira. Apesar de não ter sido paciente da
Dra. Nise, ao contrário do que muitos consideram, suas obras afirmam a
capacidade criadora dos portadores de sofrimento psíquico e, por isso, são
comumente associadas às teorias desenvolvidas pela psiquiatra.

O Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral de
Documentação e Informação e do Centro Cultural da Saúde, em parceria com o
Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira e Museu de Imagens
do Inconsciente, apresentam a Mostra Nise da Silveira - Vida e Obra, uma
retrospectiva biográfica da psiquiatra que revolucionou os métodos de
atendimento ao portador de transtornos mentais no Brasil.
Frei Betto escreveu: “A Dra. Nise da
Silveira é a mulher do século XX no Brasil, por ter dado uma visão mais humana
e inovadora da loucura como expressão da riqueza subjetiva de pessoas que são
consideradas deficientes mentais ou portadoras de distúrbios psíquicos. A Dra.
Nise nos ensina a descobrir por trás de cada louco, um artista; por trás de
cada artista, um ser humano com fome de beleza, sede de transcendência.”
Fonte: GGN