quinta-feira, 2 de abril de 2015

Perdi a chance de comprar livros das mãos de Plínio Marcos...



Por FERNANDO DO VALLE
"Eu nunca fui um escritor profissional. Morreria de fome se fosse viver dos meus livros. Teria de acabar fazendo milhares de concessões. Mas camelô, ah!, isso eu sou bom; vendo meus livros, dou autógrafos e prometo morrer logo para valorizá-los" (Plínio Marcos)
No comecinho dos anos 90, encontrei algumas vezes um barrigudo barbado vendendo seus livros em frente aos teatros do Bixiga. Intrigado e com vontade de conversar com o camelô literário de boina, me arrependo de ter ficado na minha. Naquela época, confesso que sabia pouco sobre ele. Algum tempo depois de perder a chance de comprar os livros de Plínio Marcos de suas mãos, fui caçando suas peças teatrais em sebos e, em catarse, me transportava de meu mundo classe média para a fodida realidade dos excluídos, maltrapilhos e presos.
Plínio não vendeu somente seus livros, para sobreviver, fez grana em troca de cigarro americano sem selo, maconha e bugigangas estrangeiras arranjadas pelos contrabandistas de Santos, sua cidade natal. Era o que dava para fazer para superar tempos que “estava duro como côco”, segundo o próprio contou em entrevista à revista Realidade em 1968.
Nascido em Santos e filho de uma dona de casa e um bancário, Plínio Marcos foi estivador, tentou a sorte como jogador de futebol no juvenil da Portuguesa Santista e arrancou risadas como o palhaço Frajola no circo. Plínio Marcos cursou apenas o primário e teve 4 irmãos e uma irmã.
15 anos sem plinio marcos
A primeira peça teatral escrita por ele foi Barrela, em 1958, baseada em uma história real de um conhecido preso e violentado por vários outros detentos. Quando libertado, o amigo que virou personagem perseguiu e matou um por um de seus algozes. Ele nomeou a peça de barrela (gíria de ‘curra’).
“Sou o analfabeto mais premiado do País, no momento. Aliás, quando querem me ofender me chamam de analfabeto, quando querem me badalar dizem que sou gênio. O que sou mesmo é um cara de sorte. Tenho boa estrela e sei me virar. Aceito a regra do jogo na porcaria da vida. Ninguém me passa pra trás e se bobearem passo na frente dos outros, sou malandro, no duro” (em entrevista à revista Realidade, em 1968).

Plínio escrevia rápido. Uma de suas peças mais conhecidas, “Dois Perdidos em uma Noite Suja”, foi escrita em 24 horas. Na época, Plínio trabalhava como técnico da TV TUPI e com a ajuda de amigos conseguiu montar em 1966 na Galeria Metrópole, em São Paulo, considerada a primeira montagem profissional de um texto de sua autoria.
A peça Navalha da Carne (escrita em 4 dias) enfrentou problemas com a censura do regime militar. A classe teatral se mobilizou pela liberação da montagem, que consegue estrear em 1967. A atriz Cacilda Becker reunia artistas e intelectuais em seu duplex na Paulista e foi ali que nasceu a luta contra a censura da peça.
plinio marcos tonia carrero
Plínio Marcos com a atriz Tônia Carrero (fonte: site oficial de Plínio Marcos)
No Rio de Janeiro, militares foram enviados pelo governo ao Teatro Opinião para impedir a apresentação. A atriz Tônia Carrero ofereceu uma casa vazia de sua propriedade no morro de Santa Teresa para o espetáculo, que lotou. Com seu prestígio, Tônia conseguiu liberar a peça e passou a atuar na montagem que passou a ser dirigida por Fauzi Arap.
A partir daí, o trabalho de Plínio passou a ser visado pela censura e enfrentou problemas seguidos para ser liberado. Em 1968, ele foi preso em 1968 e liberado por influência de Cassiano Gabus Mendes, diretor da TV Tupi à época. Em 1969, é novamente preso, agora em Santos e depois transferido para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) em São Paulo. Foi libertado sob a tutela da atriz Maria Della Costa.
plinio marcos
Plínio Marcos com o músico Adoniran Barbosa (fonte: site oficial de Plínio Marcos)
Plínio também atuou na imprensa. Foi cronista do jornal Última Hora, repórter da revista Realidade e colunista da Revista Caros Amigos, entre outras colaborações. Em 1996, o jornalista Ricardo Kotscho, diretor da rede CNT de televisão, o convidou para tecer comentários no telejornal. Segundo Plínio, sua demissão foi motivada às críticas ao ministro das comunicações Sérgio Motta, que fez ilações sobre a sexualidade da candidata à prefeitura de São Paulo, Luiza Erundina.
Em 1985, Plínio tinha lançado o texto Madame Blavatsky, sobre a teóloga e mística ucraniana Helena Blavatsky e escreveu no programa da peça:
 “Não acredito em Deus. Acredito em tudo o que os cristãos dizem significar Deus: amor, verdade, justiça, liberdade. Os Evangelhos eu li. Bacana. Mas acho também que só a minoria dos cristãos e dos padres são bacanas como Jesus Cristo. Mas o problema é deles. Deus não vê tudo? Se acreditam nele, então que se cuidem” (em entrevista à revista Realidade, em 1968).

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