por Mara L. Baraúna
Leila Diniz (Niterói, 25 de março de 1945 — Nova
Délhi, Índia, 14 de junho de 1972)
LEILA Roque
DINIZ era filha de Newton e Ernestina. O pai, Newton Diniz, maranhense, foi
transferido para trabalhar no Banco do Brasil em Vitória, ES, quando conheceu
Ernestina Roque, professora de Educação Física. Apaixonaram-se e logo Ernestina
engravidou. Para fugirem dos comentários acerca da gravidez, Newton conseguiu
nova transferência para o Rio de Janeiro e foram morar de favor com seus
pais em Cavalcanti, subúrbio carioca. Ali nasceram Elio e Eli.
A primeira casa de Diniz e Ernestina foi
em Icaraí, Niterói, onde nasceu Leila. Leila era um bebê de sete meses quando
Ernestina e Newton se separaram. A mãe entrou em depressão, ficou tuberculosa e
foi internada num sanatório em Correias, na serra fluminense. Elio e Eli foram
para um colégio interno e Leila, para a casa dos avós.
Quando Leila estava com 2 anos, o pai
passa a morar com Isaura, professora, em Copacabana. Somente aos 10 anos Leila
tomou conhecimento de que não era filha de Isaura. Leila viveu um período
difícil de aceitação, e aos 14 saiu de casa pela primeira vez. "A minha
mãe de nascimento, a chamada puta que me pariu, mora em Santa Teresa. Eu fui
criada por outra, minha madrasta, muito bacana também, eu gosto muito
dela", declarou Leila, já famosa, a um programa da TV Manchete.
Ernestina ficou três anos esquecida no
sanatório e quando se restabeleceu foi morar em Santa Teresa. Os dois filhos
mais velhos, atormentados por problemas com a autoritária e explosiva madrasta,
vão se juntar à mãe, que se tornara uma beata a rezar o dia inteiro. Leila saiu
novamente de casa aos 15, morou alguns meses com a mãe verdadeira, Ernestina, e
cerca de dois anos na casa de sua tia Lucy.
A personalidade que começava a se
manifestar em Leila tinha muito da postura do pai Newton, um gosto pela leitura,
pelo carnaval, pelo Flamengo e pela música popular.
Leila começou a trabalhar aos 15 anos,
como professora do maternal e jardim da infância, e tinha apenas 16 anos quando
decidiu procurar um analista e iniciar a intensa busca por se entender.
Aos 17,
já estava casada com Domingos de Oliveira, ator, teatrólogo, roteirista e
diretor de teatro, televisão e cinema. Logo depois estava no elenco da peça
infantil Em busca do tesouro, dirigida pelo marido. Em
1963, trabalhou como corista num show de Carlos Machado.

Em sua primeira e única experiência do
chamado "teatro sério" teve a chance de contracenar com Cacilda
Becker na peça O preço de um homem, de Steve Passeur, em novembro de 1964 no
Teatro Mesbla, Rio, na qual fazia um pequeno papel ao lado de Cacilda, Adriano
Reis e Rosita Thomaz Lopes.
Antes de estrelar Todas as mulheres do
mundo, do ex-marido Domingos, ela já havia feito dois filmes: O Mundo alegre de
Helô e Jogo perigoso. Todas as mulheres do mundo era um filme
explicitamente sobre a relação dos dois, pelo qual Leila ganhou os elogios da
crítica e do público, e recebeu o Prêmio Air France de melhor atriz do ano de
1967.

Se vestiu de Carmen Miranda em Tem banana
na banda, com textos de Millôr Fenandes, Luiz Carlos Maciel, José Wilker
e Oduvaldo Viana Filho.
FOTO
Em 1968,
Leila participou do movimento de protesto contra a Censura, o que levou a
classe artística brasileira à decretação de uma greve de 72 horas no Rio de Janeiro
e em São Paulo.
Em
1969, em tempos de censura e repressão, recebeu os entrevistadores do Pasquim
com uma toalha enrolada na cabeça e na famosa entrevista,
ao dizer 70 palavrões, todos substituídos por asteriscos, a edição bateu
recordes de vendas, 117 mil exemplares, e a fita gravada com sua entrevista foi
parar em todos os cantos do país.

Depois da
entrevista, Leila teve de se esconder no banco de trás do carro do apresentador
Flávio Cavalcanti, em cujo programa ela era jurada, porque a Polícia Federal
tinha ido ao estúdio para procurá-la. Depois de alguns dias escondida na casa
de Cavalcanti em Petrópolis, ela aceitou assinar um documento em que se
comprometia a não falar mais palavrões em público.
Depois dessa publicação foi instaurada a
censura prévia à imprensa e foi aprovado o Decreto 1077, conhecido como Decreto
Leila Diniz. Entre 1965 a 1970 participou de 13 novelas
e 15 filmes. No final do ano de 1970, Leila começou a
namorar o cineasta moçambicano Ruy Guerra e a pensar seriamente que era chegada
a hora de engravidar. No Programa do Chacrinha foi eleita a Grávida do
Ano. Sua filha, Janaina, realizou um velho sonho da atriz. Leila causou
polêmica quando resolveu tirar fotos de biquíni na praia, aos quase nove meses
de gestação. Naquela época, as mulheres quase nunca mostravam o corpo, ainda
mais quando estavam grávidas. Ela foi alvo de todos, inclusive das feministas.
Alegando razões morais, a TV Globo, do Rio de Janeiro, não renovou seu
contrato. Foi dito que não haveria papel de prostituta nas próximas telenovelas
da emissora.

Embarca para
Sidney, na Austrália para acompanhar o Festival de Cinema, com o amigo de longa
data Luis Carlos Lacerda, o Bigode. Pela primeira vez, deixa filha Janaína, de
sete meses, aos cuidados do pai.
Leila recebe o prêmio de melhor atriz do
festival e, em 13 de junho, envia um cartão postal para o Brasil: "Minha
querida Janaina, hoje eu e meus amigos passeamos num lindo parque cheio de
cangurus, coalas e outros bichinhos. Fiquei com uma vontade de ter você aqui
comigo. Acho que daqui a dois anos nós vamos poder viajar juntas, conhecer os
lugares mais lindos da Terra. Estou voltando logo, logo. Muitas saudades de
você e do nosso querido Brasil. Beijo para você e para o seu paizão. Da mãe
cangurua, Leila".
Quando voltava, Leila
morreu prematuramente, aos 27 anos, num acidente aéreo, vôo JAL471, da Japan
Airlines, no dia 14 de junho de 1972, no auge da fama.
Última anotação no diário de Leila:
"As saudades de Janaína são muitas. Será que estou sendo a mãe que
ela merece? (...) Estamos chegando em Nova Délhi. Segundo anunciaram, a
temperatura local é quase a do inferno. Quente paca. Agora está acontecendo uma
coisa es ..." (Diário encontrado nos escombros do acidente aéreo).
Por que Leila Diniz se transformou em
símbolo de mulher revolucionária? Porque, em um momento de liberação feminina,
foi Leila uma das mulheres mais marcantes da década de 60. Como disse Leila, em
uma de suas Inúmeras entrevistas: "Meio inconsciente, me tornei mito
e ídolo, ou mulher símbolo da liberdade, pregadora-mór do amor livre. Muita
gente não entende o que é isso. Só quero que o amor seja simples, honesto, sem
os tabus e fantasias que as pessoas lhe dão".

Talvez nesta frase estejam algumas das
peças deste puzzle inacabado: viver o amor e a sexualidade por inteiro, sem
tabus e preconceitos, em uma completa entrega ao prazer de cada momento.
Liberdade, prazer e alegria me parecem as categorias principais para
caracterizar a vida e a personalidade de Leila Diniz. A construção do mito
muito que se deve à contestação da mulher inquieta e libertária que ela
foi.
Como disse o poeta Carlos Drummond de
Andrade diante da notícia do acidente aéreo, “Sem discurso nem requerimento,
Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial
escravidão.”
Jornal GGN
FILME “Todas as mulheres do mundo”
Jornal GGN