(…) Brasília foi construída sem lugar para ratos. Toda uma parte nossa, a pior, exatamente a que tem horror de ratos, essa parte não tem lugar em Brasília. Eles quiseram negar que a gente não presta. Construções com espaço calculado para as nuvens. O inferno me entende melhor. Mas os ratos, todos muito grandes, estão invadindo. Essa é uma manchete nos jornais.
(…) Todo um lado de frieza humana que eu tenho, encontro em mim aqui em Brasília, e floresce gélido, potente, força gelada da Natureza. Aqui é o lugar onde os meus crimes (não os piores, mas os que não entenderei em mim), onde os meus crimes não seriam de amor. Vou embora para os meus outros crimes, os que Deus e eu compreendemos. Mas sei que voltarei. Sou atraída aqui pelo que me assusta em mim. Nunca vi nada igual no mundo.
A alma aqui não faz sombra no chão.
Por mais perto que se esteja, tudo aqui é visto de longe. (…) A cidade de Brasília fica fora da cidade.
Essa beleza assustadora, esta cidade traçada no ar. Por enquanto não pode nascer samba em Brasília. Brasília não me deixa ficar cansada. Persegue um pouco. Bem-disposta, bem-disposta, bem-disposta, sinto-me bem. E afinal sempre cultivei meu cansaço, como a minha mais rica passividade. Tudo isso é hoje apenas. Só Deus sabe o que acontecerá com Brasília. É que o acaso aqui é abrupto.
Brasília é assexuada. O primeiro instante de ver é como certo instante da embriaguez: os pés não tocam na terra. Como a gente respira fundo em Brasília. Quem respira, começa a querer. E querer, é que não pode. Não tem. Será que vai ter? É que não estou vendo onde. (…) Se há algum crime que a humanidade ainda não cometeu, esse crime novo será aqui inaugurado. E tão pouco secreto, tão bem adequado ao planalto, que ninguém jamais saberá.
Há alguma coisa aqui que me dá medo. Quando eu descobrir o que me assusta, saberei também o que amo aqui. O medo sempre me guiou para o que eu quero; e, porque eu quero, temo. Muitas vezes foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que amo é arriscado.
Em Brasília estão as crateras da Lua. A beleza de Brasília são as suas estátuas invisíveis”.
De qualquer forma: Parabéns, Brasília... A outra!
NOS COMENTÁRIOS:
Adauto de Taguatinga, disse...
Li ali no texto da magnífica e atual Clarice Lispector, que Brasília é assexuada, artificial e não dá samba. De lascar, é que para corroborar tudo isso e muito mais, a estigmatizada cidade de suas "excelências" comemora aniversário com PARADA DISNEY!!!
Não dá para rir. É pra vomitar mesmo.
7 comentários:
muito bom a lembrança deste texto de Clarice sobre Brasília. Fantástico!!!!!!!!!!parabens ao Jenipapo News, um texto para se tomar com licor de...
REPITO O QUE DISSE LÁ EMBAIXO: QUE ESTE NOVO GOVERNADOR DE BRASÍLIA, PELO MENOS, LAVE A CUECA.
Prezados Parlamentares,
Nós pedimos vosso apoio ao Projeto de Lei da Ficha Limpa (PLP 518/2009). Contamos com o seu voto por eleições limpas, onde candidatos condenados por crimes graves como assassinato e desvio de verbas públicas se tornem inelegíveis. Nossos votos em outubro dependerão da sua atuação neste momento crucial da política brasileira.
Li ali no texto da magnífica e atual Clarice Lispector, que Brasília é assexuada, artificial e não dá samba. De lascar, é que para corroborar tudo isso e muito mais, a estigmatizada cidade de suas "excelências" comemora aniversário com PARADA DISNEY!!!
Não dá para rir. É pra vomitar mesmo.
Parabéns, Brasília. Parabéns, Jenipapo, pelo texto de Clarice.
Não havia lugar pra ratos mesmo, mas eles se enfiam em qualquer brecha legal... Parada Disney... Ainda bem que não tenho tido tempo para saber dessas cousas.
A cueca imunda no varal tá demaaaaais... E ela não foi lavada em Águas Limpas e nem no riacho do Guará não, foi em águas sujas das bandas de Luziânia.
Valeu Jenipapo.
Postar um comentário