quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Escola das Américas...

(clique e amplie)
Roberto Civita, dono da Editora Abril

JORNALISMO PARA QUEM PRECISA
Por Leandro Fortes

Recentemente, li sobre a criação, em 2010, do Instituto de Altos Estudos em Jornalismo, sob os auspícios da Editora Abril. Entre os mestres do tal centro estavam o dono da editora, Roberto Civita, mantenedor da Veja, e Carlos Alberto Di Franco, do Master de Jornalismo, uma espécie de Escola das Américas da mídia nacional voltada para a formação de “líderes” dentro das redações. Di Franco, além de tudo, é um dos expoentes, no Brasil, da ultradireitista seita católica Opus Dei, a face mais medieval e conservadora da Igreja Católica no mundo.

Sinceramente, não vejo que “altos estudos”, muito menos de jornalismo, podem sair de um lugar assim.

Não tenho dúvidas de que a representação do tal instituto não é acadêmica, embora seja dirigido por Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobras no governo do PT, renomado estudioso da imprensa no Brasil. Trata-se de uma representação fundamentalmente ideológica, a reforçar as mesmíssimas estruturas de poder das redações, estruturas ultraverticalizadas, essencialmente antidemocráticas e personalistas, onde a possibilidade de ascensão funcional, sobretudo a cargos de chefia, está diretamente ligada à capacidade de ser subserviente aos patrões e bestas-feras com os subordinados.

Felizmente, o surgimento da internet deu vazão a outro ambiente midiático, regido por outras regras e demandas, um devastador contraponto ao funcionamento hermético das grandes redações e ao poder hegemônico da velha mídia brasileira, inclusive de seus filhotes replicadores e retransmissores Brasil adentro. O fenômeno dos blogs e sua capacidade de mobilização informativa é só a parte mais visível de um processo de reordenamento da comunicação social no mundo. As redes sociais fragmentaram a disseminação de notícias, fatos, dados estatísticos, informes e informações em um nível adoravelmente incontrolável, criando um ambiente noticioso ainda a ser desbravado por novas gerações de repórteres que, para tal, precisam ser treinados e apresentados a novas técnicas e, sobretudo, a novas idéias.

A “era do aquário”, para ficar numa definição feliz do jornalista Franklin Martins – aliás, contrário à obrigatoriedade do diploma –, está prestes a terminar. O jornalismo decidido por cúpulas restritas, com pouco ou nenhum apego à verdade dos fatos, está reduzida a um universo patético de mau jornalismo desmascarado instantaneamente pela blogosfera, vide a versão rocambolesca da TV Globo sobre a bolinha de papel na cabeça de José Serra ou a farsa do grampo sem áudio que uniu, numa mesma trama bisonha, a revista Veja, o ministro Gilmar Mendes, do STF, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.

Não será a escola de “altos estudos” da Veja e do professor Di Franco, portanto, a suprir essa necessidade. Essa demanda terá de ser suprida por repórteres ciosos de outro tipo de jornalismo, mais aberto e solidário, comprometido com a verdade factual e a honestidade intelectual, interessado em boas histórias. Um jornalismo mais leve e mais humano, mais preocupado com a qualidade da informação do que com a vaidade do furo. Um jornalismo vinculado à realidade, não a interesses econômicos. E isso, certamente, só poderá ser viabilizado dentro de outro modelo, cooperativo e democrático, a ser exercido a partir das novas mídias virtuais.

Por isso, é preciso estabelecer também um contraponto à ideologia da mídia hegemônica no campo da formação, em complemento aos cursos superiores de jornalismo. Abrir espaço para os milhares de estudantes de comunicação, em todo o Brasil, que não têm chance de participar dos cursinhos de treinees dos jornalões e das grandes emissoras de radiodifusão. Dar a eles, de forma prática e barata, uma oportunidade de aprender jornalismo com bons repórteres, com repórteres de verdade.

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Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor, autor dos livros Jornalismo Investigativo, Cayman: o dossiê do medo e Fragmentos da Grande Guerra, entre outros. Mantém um blog chamado Brasília eu Vi. http://brasiliaeuvi.wordpress.com

4 comentários:

Nanael Soubaim disse...

O Padre Alcides não tolera nem ouvir falar nesta ceita. Mas fique frio, a mesma rede que eles usam para lobotomizar as pessoas, nós usamos como instrumento de evolução. Então, ao trabalho.

Fabíola disse...

Imaginar que a Veja chegava a vender quase um milhão de exemplares toda semana. E isso não faz muito tempo não! Hoje me enche as ideias querendo me dar seis meses de graça e eu dizendo NÃO e NÃO porque tenho o saudável hábito de usar papel higiênico. Folha, Estadinho, Zero Hora, Correio Brasiliense, O Globo... Se embrulhar peixe, o alimento apodrece rápidinho. Meu cunhado só faltou chamar a polícia RSRS pra bater de frente com esse pessoal da Veja:ACABOU!

Dodó Macedo disse...

É isso. Nada como a realidade para demolir as imposturas.

zan disse...

O mais engraçado disso tudo é querer entender como a Editora Abril com a Veja dos primeiros tempos e a revista Realidade, era um "antro" de comunistas, verdadeiros aparelhos, tal a relação que tinha essa gente (digo os jornalistas...) com o pessoal que pegava em armas na clandestinidade... Como é que esse patronato virou o que virou é que é interessante tentar entender como foi isso... É provável que isso passe pelo tragicômico acontecido entre Mino Carta e Roberto Civita:Mino correndo atrás do Roberto dando-lhe pontapés na bunda pelos corredores da editora... Eu não conheço um episódio mais emblemático do que seria o desejo oculto de qualquer trabalhador subordinado a um patrão escroto... Mino, se não fosse quem é e o que fez como jornalista pela impresnsa brasileira, mereceria uma estátua e medalhas de bons serviços prestados à causa da profissão que abraçou quase sem querer...

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