por Érika Basílio
Sua mania era criar uma interminável sequência de
filmes, livros, lugares para conhecer. Até ele viver o roteiro do seu filme
preferido.
Era a primeira vez que a via. Saía da sessão das 22 horas do Roxy
onde fora ver pela terceira vez Casablanca. Isso só a versão restaurada. O
original ele já tinha perdido a conta de quantas vezes assistiu. Sem contar uma
versão colorizada do filme que odiava com todas as forças. Mas por um momento
se esqueceu de Bogart, Bergman e dos refugiados que tentavam escapar dos
nazistas por uma rota que passava por uma pequena cidade africana.
Ela era mais bonita que Grace Kelly, Hedy Lammar e Ava Gardner
juntas, as três atrizes que ele mais admirava. Saía sozinha do cinema.
Provavelmente uma fã de Casablanca como ele. Será que esse era o filme
preferido dela? Será que fazia parte do seu Top 5? Ou será que ela saía da
sessão de “Jogos Mortais” que acabara no mesmo instante? Não, não era possível.
Ela parecia ser tão interessante, tinha um olhar tão especial, e estava agora
cada vez mais próxima dele.
- Oi! Você também viu o filme?, ela perguntou.
- Casablanca?
- Sim. Deve ser a quinta vez que assisto e sempre me emociono.
Pronto! Conhecia naquele instante a mulher da sua vida. Ficaram
conversando na saída do cinema. Ele a contou curiosidades sobre o filme. Que o
papel de Bogart seria interpretado originalmente por Ronald Reagan. E que
durante a sequência em que o major Strasser desembarca no aeroporto, os
oficiais vistos de cima foram interpretados por anões, para que a pista
parecesse maior. Ela morria de rir. Ele se sentia feliz. Tão feliz que temia
estar com cara de bobo. De repente ela corta a conversa e diz que precisa sair
porque tem um compromisso. Mas antes de ir embora, deixa o telefone.
- Me manda um whatsapp. Podemos marcar um cinema.
Marcaram vários cinemas. O Festival de Kubrick, de Alain Resnais,
o Cine Daros no Pátio, e a edição de David Lynch no Oi Futuro. Ele a levou em
todos os barzinhos legais que conhecia. Havia feito uma lista dos lugares mais
interessantes para se ir no verão, que tinha encontrado em uma dessas revistas
descoladas.
Estavam naquele dia em um bar bem longe de ser um Rick’s Cafe, de
Casablanca. Mas que tinha o seu charme, com mesinhas do lado de fora e uma
vista tão bonita quanto a do Marrocos.
- Você é a primeira pessoa com quem eu gosto de conversar de
verdade. Diferente daqueles caras com o mesmo papo de sempre, ela disse.
Mal sabia ela que ele adoraria ter o mesmo papo daqueles caras.
Afinal, sobre o que tanto falavam? Ele nunca tinha ideia do que conversar.
Vivia fazendo na memória uma lista dos assuntos que poderiam interessá-la. Mas
na hora se enrolava, esquecia e qualquer silêncio entres os dois o incomodava
profundamente. Ficava com medo de que ela o considerasse chato, entediante. Mas
ela não parecia se importar.
Além do mais o que acabara de ouvir, o deixou emocionado. Nunca
tinha sido o primeiro cara em nada para ninguém. Nem para sua mãe. Era o quinto
filho de um total de sete, e quando nasceu ela já estava cansada demais da
maternidade para tratá-lo de maneira especial.
Mas naquele momento se sentiu mais felizardo que um Humphrey
Bogart. Não tinham guerra, não precisavam fugir de ninguém e viviam um amor de
cinema. Quase que dava para ouvir o piano de Sam tocando ao fundo. A kiss is
just a kiss. No Rio de Janeiro ou em Casablanca.
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