por Sebastião Nunes
A enorme limusine preta, ornamentada com
dourados, exibia na frente, em vez do costumeiro emblema do fabricante, uma
sombria águia de asas abertas, esculpida com chumbo extraído de corpos
assassinados. Quando parou, diante do portão principal do estúdio, saltaram
três homens armados de submetralhadoras. Rapidamente eles se postaram, atentos,
nas laterais e na traseira do automóvel, olhando para a direita e para a
esquerda. Em seguida, o motorista abriu sua porta, também com uma
submetralhadora nas mãos, e deu a volta até o outro lado, abrindo a porta
dianteira. Um homem pequeno e rechonchudo desceu, lentamente, encaminhando-se
com passos curtos para o portão, no alto do qual se lia “United Artists”.
ARTISTAS EM AÇÃO
Como se esperasse o visitante, o porteiro
inclinou-se levemente e empurrou a maçaneta para trás. O homem pequeno e
rechonchudo entrou, seguido pelo motorista com a submetralhadora e pelo
porteiro.
Ninguém reparou neles nem era razoável que
reparassem. Dezenas de pessoas andavam apressadas no meio de câmeras, gruas,
torres de iluminação e cenários de todos os tipos e tamanhos, no gigantesco
galpão. O porteiro, tomando a dianteira, bateu suavemente três vezes numa porta
sobre a qual se lia “Entrada proibida”.
– Entre! – ouviu-se lá de dentro.
O porteiro abriu a porta e afastou-se de
lado, deixando passar os visitantes.
HOMENS DE AÇÃO
Os dois entraram. O motorista mantinha a
submetralhadora nas mãos, mas ninguém parecia ligar. Detrás de uma mesa grande,
fumando um grosso charuto, estava um sujeito baixo e magro, com uma loura
sentada no colo.
– Boa tarde, Mr. Chaplin – disse o
visitante. – É uma honra conhecê-lo.
– A honra é minha, Mr. Capone – respondeu
o visitado, expulsando a loura do colo com um safanão, enquanto se levantava e
estendia a mão. – Tenha a bondade de sentar-se. – Desapontada, a mulher
encolheu-se numa poltrona junto à parede.
O visitante nem olhou para a loura. Sem
pressa, acomodou-se na única cadeira diante da mesa, colocada em plano
levemente inferior, de modo que qualquer visitante pareceria menor que o dono
da sala.
– Joe – disse ele, voltando-se para o
motorista. – Leve com você o berro, deixe no carro, e traga aquela caixa
fechada. Você sabe qual. – Então tirou um charuto do bolso, que acendeu
riscando um fósforo na sola do sapato, e soltou uma baforada.
AÇÃO ENTRE AMIGOS
– Gosta de louras, Mr. Chaplin? – indagou
o visitante.
– Não mais que de morenas e ruivas, Mr.
Capone – respondeu o visitado, com um sorriso amável no rosto ainda jovem.
– Então o senhor é como eu, Mr. Chaplin.
Também não tenho preferência quanto a cor. Mas por ser descendente de
italianos, como sabe, as louras me fascinam.
– Compreendo, Mr. Capone. Comigo é
diferente. Sendo inglês, me sinto mais inclinado para as morenas. Essa loura
que viu estava no meu colo por acaso. De modo geral, tanto faz ruiva quanto
loura ou morena. O que vier, eu traço.
Riram um riso breve e olharam-se com
simpatia. Eram afins por temperamento e, principalmente, pela coragem de correr
riscos e dizer o que pensavam.
– Confesso que há tempos desejava
conhecê-lo, Mr. Chaplin. Agradeço por ter autorizado minha visita.
– O mesmo se passa comigo, Mr. Capone. Só
não o procurei antes por não saber se seria recebido com apertos de mão ou
tiros.
Riram novamente e soltaram baforadas de
seus charutos.
AÇÃO E REAÇÃO
A porta se abriu e Joe entrou, uma grande
caixa nas mãos.
– Ponha em cima da mesa – disse o
visitante, olhando a caixa. E voltando-se para o visitado: – Creio que gostará
do presente, Mr. Chaplin. São 12 litros do melhor uísque de milho produzido
neste país. De venda totalmente proibida, é lógico.
O visitado riu novamente.
– Decerto que é proibido, Mr. Capone. Tudo
que é bom é proibido.
O visitante também riu.
– Parece estranho, não é mesmo? Somos dois
homens importantes e famosos, mas o senhor está dentro da lei e eu, fora. A lei
não tem nada contra o senhor, mas, ao mesmo tempo, não consegue me pegar. É
como se nada tivesse contra mim.
– Entendo, Mr. Capone – disse o visitado
olhando fixamente o visitante. – Creio que é tudo um tanto estranho neste país.
Hollywood, por exemplo, é a maior rede de prostituição do mundo. No entanto,
aos olhos das pessoas, de qualquer nível social, passa como a grande indústria
de entretenimento e arte da América.
– Sei disso, Mr. Chaplin – disse o
visitante. – Quantas mocinhas já enviei para produtores e diretores de cinema?
Centenas, talvez milhares. Não posso ficar com elas, não é mesmo? No meu
trabalho, preciso de homens duros e impiedosos. Mas elas surgem às dúzias,
vindo de todos os estados, sonhando com fama e riqueza.
– O mesmo acontece entre nós, Mr. Capone –
respondeu o visitado. – Ninguém suporta mais tanta mulher em volta. Ou melhor,
suporta sim. Nós nos divertimos muito. Mas por quantas camas uma mocinha dessas
tem de passar até chegar a mim, que decido seu futuro e, em muitos casos, sua
fortuna ou sua miséria?
– Nenhum de nós dois vale nada, não é mesmo,
Mr. Chaplin? Ou nós estamos certos e o sistema é que está errado? O que acha o
senhor?
– Prefiro acreditar que errado seja o
sistema, Mr. Capone. Nós estamos certos, pois não somos hipócritas. O que mata
a sociedade é a hipocrisia.
Então os dois ficaram se olhando, novos e
velhos amigos desde sempre.
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