RAYMUNDO FAORO, NOSSO AMIGO
Maria Victoria Benevides
Modéstia
à parte, Raymundo Faoro foi um dos nossos. O consagrado autor de Os Donos do
Poder era, sim, “da casa”: mestre, crítico, conselheiro, colaborador, amigo de
todos nós, os pais (e mães!) fundadores e os continuadores do CEDEC.
Pouco
presente em pessoa, era uma referência constante; o grande historiador, jurista
e sociólogo, mas também o publicista notável, que sempre acompanhou, com sua
pena certeira e suas intervenções públicas, a vida política da nação. É bem
conhecida sua brilhante atuação quando presidente do Conselho Federal da OAB
(1977-1979). Aliás, a OAB adquiriu um prestígio extraordinário, como fonte e
voz da sociedade civil, graças a ele. Tornou-se um dos principais
representantes dos que lutaram contra a ditadura, sendo
interlocutor
dos políticos e dos militares, que nele reconheceram um adversário lúcido,
corajoso e livre de qualquer projeto político pessoal. Sempre ficou claro, para
todos que o conheceram, sua completa falta de ambição para cargos e honrarias.
É importante destacar este dado de sua personalidade, pois não foram poucos os
que atribuíram ao seu dinamismo à frente da OAB objetivos políticos menos
nobres, como ser nomeado ministro da Justiça ou membro do STF num futuro
governo democrático. Os fatos provam que ele nada quis, nem abandonou suas
trincheiras de luta contra os arrivistas da “transição transada”.
Quando
Luiz Inácio da Silva foi à sua casa convidá-lo para ser vice (campanha de
1989), Raymundo recebeu-o de braços abertos e adega fidalga (gostava muito do
líder petista, com quem manteve relações de mútua admiração e amizade até o
fim). Mas ponderou: “Lula, sou um homem preguiçoso e amante das boas coisas da
vida. Aceitaria, de bom grado, uma embaixada em Viena...desde que vitalícia”.
Apesar
de participar, junto com Mino Carta, seu fraternal amigo, das revistas IstoÉ/Senhor, Carta Capital e do excelente e
efêmero Jornal daRepública, era pouco
presente em São Paulo. Detestava deixar o Rio de Janeiro, onde morava – com
fino gosto (e entre montanhas de livros e vídeos de teatro) –, debaixo do
Cristo Redentor, com quem, dizia, muitas vezes “acertava as contas”, o coração
pesado de ira et studio. O bairro chama-se Cosme Velho, escolhido como se
Raymundo Faoro quisesse também os ares bucólicos de seu querido Machado, sobre
o qual escreveu a obra prima Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio (livro
pouco lembrado, o que é uma lástima). Aliás, como o velho bruxo, Raymundo tinha
o horror de ser “medalhão”. Aceitava nossos convites, no CEDEC ou na USP, mas
avisava: estão proibidas as louvações.
Maria Victoria Benevides é socióloga e professora titular da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo (USP)
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